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20/03/2024 - O que seria de Minas Gerais sem o ouro e os diamantes

José Eduardo Guimarães Medeiros

Apressado em razão do engarrafamento, o professor de história chega um pouco atrasado ao campus da Universidade Federal de São Francisco. Estaciona o carro e se dirige rapidamente ao prédio.

Todos admiram o professor. Sua forma de ensinar a matéria é muito cativante. O modo de contar os acontecimentos do passado, sempre buscando contextualizá-los, encontrar suas causas e motivações. E também suas consequências. A importância que tiveram para os fatos que os sucederam. Mas, principalmente, sua mania de instigar os alunos a especularem o que poderia ter ocorrido de diferente e os resultados desses caminhos alternativos. Como eles mudariam o mundo em que vivem. Tudo isso faz o sucesso de suas aulas.

Ele gosta muito da profissão que escolheu. Conhecer o passado de seu estado e de seu país, discuti-lo com seus alunos. Ter a oportunidade de estar sempre lendo novos livros, pesquisando novas fontes, descobrindo novas informações e interpretações sobre fatos históricos, lhe traz muita satisfação.

Durante o trajeto de hoje, de sua casa até a universidade, ele começou a pensar em uma hipótese bastante interessante, e sua imaginação viajou nessa tão insólita possibilidade. Tantas implicações diferentes, uma radical mudança nos destinos daqueles lugares que ele tanto conhece e que já foram tão estudados.

Sua aula de hoje se iniciará de forma diferente. Ao invés de dar prosseguimento ao tema da aula anterior, vai compartilhar essa hipótese que pensou ao longo do trajeto. Será, sem dúvida, uma forma muito interessante de despertar a curiosidade de seus alunos e fazê-los pensar um pouco mais nos acontecimentos históricos que eles estão aprendendo no curso.

Após uma rápida visita ao seu escritório, para pegar algumas coisas, ele se dirige para a sala de aula. Já está quase cheia. Aguarda, por alguns minutos, os alunos atrasados. Quando é chegada a hora de começar, fecha a porta e surpreende a todos com um inesperado questionamento.

- Meus caros, vocês já ouviram falar da Lenda de Sabarabuçu?

A pergunta pega todos de surpresa. O ambiente permanece, por alguns segundos, silencioso. Alguns alunos, depois do tempo necessário para vasculhar sua memória, conseguem se recordar dessa lenda. Ela já foi citada pelo professor, em aulas anteriores.

- Sim, professor. É a lenda indígena que falava de uma enorme quantidade de ouro presente na região de Sabará, e que levou os bandeirantes a uma busca desesperada para encontrá-lo.

- Exatamente. A versão mais conhecida da lenda falava de “uma serra misteriosa no sertão do Brasil, onde se viam resplandecentes raios de sol reluzidos pelo ouro”. A cobiça, de fato, fez muitos acreditarem nela. E se aventurarem em viagens que duravam meses, em busca dessa fantástica riqueza. E eu pergunto a vocês: algum ouro foi encontrado em Sabará, ou em qualquer outra região de nosso estado?

- Não, professor. Nunca se encontrou nada.

- Correto. Conforme nós todos sabemos atualmente, tudo não passou de uma ilusão. Nosso estado nunca teve ouro. Mas, proponho a vocês, agora, um exercício de imaginação muito interessante. O que vocês acham que aconteceria se os bandeirantes paulistas não tivessem sido tão frustrados em suas buscas? Se, digamos, lá pelo final do século XVII, início do século XVIII, tivessem descoberto, de fato, e conforme sempre sonharam, gigantescas quantidades de ouro e diamantes em nossa terra?

Nova pergunta que pega os alunos de surpresa. Todos passam a analisar essa possibilidade. Absurda, mas muito interessante. Sabem que muita especulação virá a partir daí. A aula de hoje será bastante enriquecedora.

- Nosso estado seria o mais rico do Brasil.

O professor dá um sorriso antes de comentar o que disse seu aluno.

- Uma resposta bastante lógica. Mas, me desculpe a crítica, um pouco simplista. Pode ser que ele se tornasse rico, tivesse um grande progresso, mas não necessariamente como uma consequência direta das riquezas materiais encontradas. Ou ela poderia não trazer benefício nenhum. É o que ocorre em muitos casos. Precisamos analisar a questão com um pouco mais de cuidado. Será que as circunstâncias daquela época permitiriam que a riqueza encontrada se convertesse, de fato, em benefícios para nossa terra?

- Acho que todo o ouro seria enviado para Portugal. Não ficaria nada aqui no Brasil. - Influenciado pela observação do professor, outro aluno dá uma opinião menos otimista.

- Concordo com essa análise. É bem possível que seria esse o destino da riqueza. Na verdade, algum ouro ficaria aqui. Provavelmente, nas igrejas. Com tamanha abundância, e em razão do enorme poder que detinha, a Igreja Católica não perderia a oportunidade de ornamentar luxuosamente os altares. E haveria muito contrabando, também. Mas, certamente, a maior parte da riqueza seria enviada para Portugal. E de lá seguiria para a Inglaterra, nação que, àquela época, dominava o mundo, e dominava especialmente o país que nos colonizava. Mas, desconsiderando o metal em si, quais seriam as consequências práticas para nossa terra dessa alucinada corrida do ouro?

A expressão “corrida do ouro” é uma boa dica para que os alunos possam enxergar melhor as implicações da suposta descoberta. Traz à mente uma imagem mais clara do que aconteceria. Lembram-se de como era a região naquela época. Os únicos que por ali se aventuravam a andar eram os bandeirantes e os índios. Como, em um lugar tão inóspito, poderia ocorrer uma “corrida”?

- Nessa época não era fácil andar por essas terras, professor. Não havia estradas. No máximo, picadas de índios. Os locais em que o ouro fosse encontrado atrairiam legiões de aventureiros. Mas eles levariam meses para chegar. Certamente, muitos, mais afoitos e sem experiência, morreriam no caminho. Não havia cidades, fazendas pra passar a noite, locais pra comprar mantimentos, nada.

- Muito interessante sua colocação, e acho que esse é o caminho que devemos trilhar. Os bandeirantes saíram de São Paulo. Atravessaram um longo caminho até chegar à região de Sabará. Vamos imaginar que, lá, tenham descoberto as primeiras quantidades significativas de ouro, conforme reza a lenda. Esse é o nosso ponto inicial. O que aconteceria depois?

- Surgiriam fazendas de pouso ao longo do percurso. Que, depois, dariam origem a povoados. E, finalmente, a cidades. E esse caminho, certamente, teria se tornado uma importante estrada. Ao invés de termos uma rodovia ligando diretamente São Paulo a Montes Claros, ela ligaria São Paulo a Sabará.

- Rodovia Fernão Dias. O nome soa bem estranho, mas certamente a estrada iria prestar uma homenagem àquele que primeiro percorreu o seu traçado.

- Sem dúvida. A região por onde passaria a tal Rodovia Fernão Dias seria rapidamente povoada. Uma grande quantidade de pessoas não se interessaria diretamente pela mineração, mas passaria a viver em função dela. Iriam se dedicar à agricultura e à pecuária, para sustentar as levas de garimpeiros. Cidades surgiriam nesse caminho. E se desenvolveriam. A prosperidade chegaria a elas bem mais cedo. Varginha, Três Corações, Mandu, Santana do Funil, entre outras, teriam se desenvolvido bastante nessa época. Não teriam que esperar a chegada do ciclo do café.

- Elas seriam tão importantes no apoio aos viajantes em seu longo caminho de São Paulo até Sabará que algumas receberiam um nome exaltando essa função. Poderíamos imaginar, por exemplo, que Mandu passaria a se chamar “Pouso Alegre”. Talvez assim se sentissem os viajantes que, tendo chegado ali, nutriam a esperança de alcançar a região das minas.

- E acredito que a própria mineração inspiraria a mudança do nome de outras cidades, já que, após a descoberta inicial das minas de Sabará, o ouro apareceria em outros lugares, tão logo uma maior quantidade de pessoas passasse a frequentá-los. Santana do Funil, por exemplo, receberia, talvez, um nome em homenagem às lavras lá existentes.

- E isso vale também para o próprio estado. Certamente, não se chamaria São Francisco. O rio dá nome ao nosso estado por causa de seu papel histórico fundamental. Conforme vocês sabem, nossa colonização se deu a partir da navegação fluvial. Do barco a vapor símbolo da nossa terra, que aparece em nossa bandeira, que partia da cidade de Juazeiro, na Bahia, e chegava a Pirapora, aqui próximo de onde estamos. Nosso estado surgiu em função dele. Na hipótese que estamos discutindo, o processo de colonização seria completamente diferente. O vapor certamente teria existido, mas com uma importância muito menor. A colonização de nosso estado teria ocorrido quase exclusivamente em função da mineração. Nosso povo não teria origem no Nordeste. Teria origem no Sudeste. Nós faríamos parte do Sudeste.

- E como nosso estado se chamaria? Minas de Ouro?

- Lembre-se que, na hipótese que apresentei no início da aula, não seria encontrado apenas ouro. Também diamantes. E, certamente, outras riquezas. Elas costumam aparecer juntas, na mesma região. Geralmente, quando o ouro e os diamantes se esgotam, outros minerais continuam sendo explorados. Por muito tempo. Podemos imaginar, por exemplo, que o minério de ferro ainda existisse, em gigantescas quantidades, até os dias atuais. O nome do estado seria inspirado nesse conjunto de riquezas que, certamente, marcaria sua história.

- Minas Gerais. E nós todos seríamos mineiros.

- Sim, um nome possível. Mas vamos continuar a expandir nossa análise. Vamos pensar no fato de que o ouro, inicialmente descoberto em Sabará, passasse a ser encontrado em outros lugares próximos. E às vezes não tão próximos assim. Isso é muito comum. Alguns pontos do território, inclusive, teriam até mais ouro do que o local da primeira descoberta. Quanto mais lugares com minas apareciam, mais as buscas se expandiam para outros locais.

- Isso quer dizer então, que o próprio território do nosso estado seria completamente diferente do que é hoje. Certamente, seria muito maior. Sabará fica no sul de São Francisco. Se essa cidade se tornasse o ponto inicial das descobertas de ouro, e elas se expandissem em todas as direções, nosso estado avançaria muito mais, especialmente em direção ao sul.

- Sem dúvida. A expansão só encontraria limites nas proximidades do litoral. Nosso estado avançaria bastante, mas certamente não chegaria ao mar. Nessa época, o litoral já tinha sua colonização bastante consolidada. Tinha sua própria história de ocupação. A influência da região mineradora faria nosso estado ocupar uma grande área, mas uma estreita faixa litorânea permaneceria sob os domínios de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e da Bahia.

- Imagino então que toda a região que hoje conhecemos como o Vale do Rio Grande Paulista não seria de São Paulo. Pertenceria, provavelmente, ao estado que estamos chamando de Minas Gerais. A região banhada pela parte alta do rio Grande seria o “Sul de Minas”. E, com relação à parte baixa, posso especular o seguinte: se fosse encontrado ouro, digamos, em Araxá, ou em Uberaba, toda aquela região com um formato meio triangular delimitada pelo rio Grande e pelo rio Paranaíba passaria, também, ao nosso domínio.

- E pegaríamos também um pedaço do Rio de Janeiro. O território fluminense seria, nesse caso, bem pequeno, praticamente uma estreita faixa litorânea. Toda a Zona da Mata Fluminense seria, na verdade, a “Zona da Mata Mineira”.

- E a capital de um estado assim tão expandido? Certamente, não seria Montes Claros.

- Provavelmente não. Inicialmente, a capital seria a mais importante dentre as cidades mineradoras. A que atraísse o maior número de pessoas e se tornasse a mais populosa. Depois, porém, com o passar do tempo, ela se saturaria. As ruas das cidades que nascem da extração do ouro geralmente são muito irregulares, surgem a partir da chegada maciça e desordenada dos aventureiros. E o próprio relevo traz sérios problemas. Cidades que se originam da mineração, ao contrário de cidades que surgem às margens dos rios, muitas vezes crescem penduradas em encostas íngremes, sua localização é determinada pelo local das descobertas. Esgotada a riqueza, ela deixaria de ser adequada para manter-se como a capital de um estado tão grande e importante como Minas Gerais.

Tomariam a decisão de transferir a capital para outra cidade. Ou, talvez, optariam por construir uma cidade do zero, para abrigar a nova capital. Para isso, fariam uma ampla pesquisa, até encontrem um local adequado, com um clima ameno e abundância de água. E, se possível, com um belo horizonte para ser contemplado.

- Professor, você disse que nosso estado pertenceria ao Sudeste. Com a colonização vindo de São Paulo, com essa rota de migração consolidada e se ampliando cada vez mais, o Sudeste se tornaria uma região extremamente importante desde essa época. Ou seja, desde muito antes do ciclo do café, certo?

- Com certeza. O Sudeste se tornaria uma região muito importante, populosa, e atrairia muito mais atenção da Coroa Portuguesa. Desde cedo, o governo se mobilizaria para controlar a extração dos minerais. Construiria uma rota oficial de escoamento, com vistas a levar o ouro para Portugal e combater o contrabando. E essa rota, certamente, não passaria por São Paulo. A rota original dos bandeirantes não é a mais curta. A capital litorânea mais próxima de Sabará é o Rio de Janeiro. A estrada oficial do governo seguiria esse novo caminho.

- Uma alteração tão significativa nos interesses da Coroa Portuguesa, então, implicaria na mudança da própria capital do Brasil? Nossa capital não seria Salvador? Teria se transferido para o Rio de Janeiro?

- Sim. A capital do Brasil passaria a ser o Rio de Janeiro. Por muito tempo. Até bem recentemente. Mas, ouso arriscar uma última especulação. Tenho a impressão de que, em meados do século XX, o Rio de Janeiro teria deixado de ser a capital do país. Vocês certamente já ouviram falar de uma proposta, que existe desde os tempos do Império, de transferir a capital para o interior do Brasil.

- Sim, professor. A capital do país deveria ser transferida para o interior por duas razões. Em primeiro lugar, para ficar mais protegida de ataques de navios estrangeiros. E, em segundo lugar, para incentivar a ocupação do interior, integrá-lo ao restante do país. Mas essa proposta nunca saiu do papel. Nenhum presidente, até hoje, teve coragem e disposição para torná-la concreta.

- É aí que entra a minha última especulação. Semana passada, eu estive em uma cidadezinha a uns duzentos quilômetros daqui, chamada Tijuco. Fui fazer algumas pesquisas em documentos antigos. E descobri algo muito interessante. Conheci um político que atuou lá em meados do século passado. Chegou a ser prefeito da cidade. Fiquei impressionado com seus discursos. Não pareciam ser de um prefeito de uma cidadezinha do interior. Pareciam discursos de um grande estadista. Ele insistia na concretização dessa proposta, a de transferir a capital do país para o interior. Falava em abrir estradas, integrar todo o país, desenvolvê-lo através de inúmeras outras grandes iniciativas. Argumentava, de forma apaixonada, sobre as vantagens desses projetos. O quanto eles seriam importantes para o Brasil.

Aí eu pensei o seguinte: vamos imaginar que Tijuco fosse uma das cidades em que seria encontrado muito ouro. Ou melhor, para variar um pouco em nossas especulações, lá seria encontrado diamante. Em enormes quantidades. A tal ponto que a cidade mudaria de nome. Passaria a se chamar Diamantina. Ficaria conhecida no país inteiro. E esse político que eu citei embarcaria na projeção de sua terra natal. Conseguiria ser ouvido pelas elites políticas estaduais e nacionais. Juscelino Kubitschek se tornaria Presidente da República. E, a exemplo do que aconteceria em Minas Gerais, a aventura de construir do zero uma nova capital, moderna e totalmente planejada, lá no meio do Brasil, seria posta em prática.




Comentários

21/03/2024 - Guilherme Roscoe

Parabéns, Professor!
Uma aula excelente!




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